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Abuso de autoridade

 

O ABUSO DE AUTORIDADE COMETIDO PELOS OFICIAIS DAS FORÇAS ARMADAS, QUANDO NO EXERCÍCIO DAS ATRIBUIÇÕES DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR

 

                   O presente trabalho encontra-se voltado para o Direito Penal e Direito Processual Penal, tanto o comum quanto o militar, e tem por objetivo destacar a importância da correta condução de inquéritos policiais militares e prisões em flagrante, de maneira a evitar o enquadramento dos oficiais das Forças Armadas na Lei de Abuso de Autoridade.

Como questões norteadoras, analisou-se a forma correta para a lavratura de um auto de prisão em flagrante dentro das normas constitucionais, ou seja, dentro das formalidades legais. Ver-se-á de que maneira deve-se travar contato com o advogado do indiciado, de forma a respeitar a aplicabilidade do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil e, paralelamente, preservar o sigilo das investigações. Analisar-se-á como deve proceder o encarregado da inquisa para que se possa garantir ao indiciado a liberdade de locomoção, a inviolabilidade de seu domicílio, o sigilo da sua correspondência e a sua incolumidade física.

No mesmo prisma, traçar-se-á comentários de como realizar as diligências legais de maneira a garantir a dignidade da pessoa humana, e quando o militar possui competência para realizar uma diligência.

Será demonstrado que a Lei n.º 4.898 de 09 de dezembro de 1965 deve ser observada, como forma de assegurar aos indiciados os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5o da Constituição, preservando, contudo, a hierarquia e a disciplina, que são os princípios basilares das instituições militares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO

1.1 Considerações iniciais

Os militares não possuem a função precípua de investigar crimes. As Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais. A única razão de existirem é a segurança do Estado, para tanto, formam os seus oficias para atividades de defesa, o que, aliás, não poderia ser diferente.

No entanto, a lei processual penal castrense preconiza situações nas quais os militares devem atuar com atribuições de polícia judiciária. Por conseguinte, cometido um crime previsto no Código Penal Castrense surge para o militar a atribuição policial.

Ocorre que os oficiais das Forças Armadas não se encontram preparados para tal mister, o que os levam, por puro desconhecimento, a cometerem verdadeiras aberrações jurídicas na condução dos procedimentos inquisitórios.

Com efeito, os próprios magistrados das auditorias militares reconhecem o despreparo dos oficiais. Sobre este tema, manifestou-se Cláudio Amim Miguel, Juiz-Auditor da 3ª Auditoria Militar da 1ª Circunscrição Judiciária:

Ocorre que, em razão dos militares não estarem preparados para o exercício da polícia judiciária militar, muitas vezes os exames periciais são considerados nulos. Não há que se atribuir culpa a eles, mas não deixa de ser uma realidade[1].

Felizmente, por ser o inquérito forma e não conteúdo, não havendo, portanto, nulidade nos procedimentos inquisitoriais, os erros cometidos pelos oficiais são sanados pelo Ministério Público Militar, sem que maiores prejuízos sejam levados às investigações.

No entanto, erros existem que são insanáveis e, buscando solução para tal errônea prática, a monografia propõe-se a pesquisar os delitos previstos na Lei. 4.898 de 09 de dezembro de 1965 – Abuso de Autoridade.

O não conhecimento do Direito Processual Penal, por parte dos militares, pode levar com que o autor de um delito volte-se contra o encarregado do inquérito, acusando-o de abuso ou de submetê-lo a constrangimento ilegal. Nessa esteira, surge algo ainda pior: os oficias temem o exercício da polícia judiciária.

Com efeito, os abusos tornam-se ainda mais realçados pelo total desconhecimento da aplicabilidade da Lei. 8.906 de 04 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Assim, torna-se comum o atrito entre advogados e encarregados de inquéritos. Conflitos desnecessários, os quais o trabalho monográfico pretende evitar.

Nesse diapasão, a pesquisa visará os casos de abuso de autoridade nas prisões em flagrante e nas conduções de inquéritos. O trabalho mostrará aos oficiais das Forças Armadas até que ponto vai a autoridade do encarregado de um Inquérito Policial Militar, de maneira que sejam apontados os limites que separam a condução legal de um procedimento inquisitório das condutas tipificadas na Lei. 4.898/65 – Abuso de Autoridade, assim como, da conduta tipificada no inciso IV, do artigo 350 do Código Penal Brasileiro.

A pesquisa enfoca os pontos chaves, onde a incidência do erro no exercício da polícia judiciária maximiza-se. Como exemplo, além da já citada relação do encarregado da inquisa com o advogado do indiciado, será mostrado como deve ser realizada a oitiva de testemunhas, como interrogar um indiciado dentro dos princípios constitucionais do direito processual, e o ponto nevrálgico: como conduzir uma prisão em flagrante.

O trabalho encontra-se voltado para o Direito Penal e Processual Penal, sem, contudo, deixar de apresentar aspectos do Direito Constitucional e Administrativo.

O público alvo são os oficiais das Forças Armadas, quando no exercício das atribuições de polícia judiciária. Em especial, os oficiais que lidam com o Sistema Previdenciário Militar, alvo constante de condutas fraudulentas.

A pesquisa dos casos de abuso de autoridade cometidos por militares, quando no exercício de polícia judiciária, terá como ponto de partida a promulgação da atual Constituição Federal, e se estenderá até os dias atuais.

1.2 Breve histórico sobre a contenção dos abusos estatais

A quase totalidade dos casos de abusos de autoridade, levados aos tribunais brasileiros, é devida às violações de agentes estatais em atribuição de polícia judiciária.

Dessa forma, a Lei 4898/65 foi editada com a nítida intenção de conter as violações dos direitos constitucionais dos cidadãos, por parte do Estado.

A contenção aos abusos estatais começou na Inglaterra, em 1215, com a promulgação da Carta Magna, instrumento controlador imposto pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra.

Em 1774, por inspiração do direito inglês, nos Estados Unidos foi promulgada a Declaração de Direitos do Congresso de Filadélfia.

Em 1789, a Revolução Francesa fez promulgar a Declaração de Direitos, através da Assembléia Legislativa.

No Brasil, a herança legislativa das ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, em nada contribuíram para a defesa dos cidadãos perante os abusos do Estado. Aliás, com a devida vênia e escusas aos historiadores, pode-se dizer que a história do Brasil, como nação, iniciou-se em 1808 com a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro.

No ano da graça de 1821, após a partida do soberano D. João VI para Portugal, foi editada a primeira norma brasileira a visar o abuso de poder. Prima pela beleza o Decreto de 23 de maio daquele ano. A norma, após tipificar uma série de condutas abusivas, rezou no seu artigo 5° que:

determino, finalmente, que a contravenção, legalmente provocada, nas disposições do presente decreto seja irremisivelmente punida com perdimento do emprego e inabilidade perpétua para qualquer outro em que haja exercício de jurisdição [2].

Para que nenhuma dúvida reste da magnificência do aludido decreto, que fique registrado que os seus conceitos de prisão, processo e liberdade, vigem até hoje na Constituição Federal de 1988.

No Código Penal Brasileiro, editado em 1940, mesmo após a reforma penal de 1984, realizada através da lei 7.209/84, os abusos de poder são tratados no artigo 350, sendo do entendimento doutrinário que, atualmente, somente vige o inciso IV daquele artigo.

A Lei. 4.898 de 09.12.1965, cujo Projeto data de 1956, da lavra de Bilac Pinto, foi editada na época do regime militar. Talvez por isso, recebeu diversas críticas, entre elas a de ser uma medida demagógica. Abstendo-se de tal mérito, o fato é que a lei de abuso de autoridade estabeleceu um marco para a punição desses pequenos crimes. Pela primeira vez, o legislador pátrio previu e reprimiu os diminutos delitos dos agentes públicos.

Editada sob a égide da Constituição de 1946, marco de um dos retornos brasileiros à democracia, o certo é que seus preceitos continuam atualizados, pois visam a proteger as garantias individuais insculpidas na atual Carta Política Federal.

O Código Penal Militar, editado em 1969, não previu os delitos de abuso de poder à semelhança da Lei 4.898/65. Tal estatuto repressivo tipificou nos artigos 167 a 176 a usurpação, o excesso e o abuso de autoridade em crimes propriamente militares, a única exceção é o uso indevido de uniformes ou distintivos, cujo sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

Assim, finalmente, chegamos em outubro de 1988, onde a promulgação da Constituição Federal insculpiu no artigo 5° os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Simbólico gesto do saudoso Ulisses Guimarães, erguendo o texto da Carta Política e aludindo-a como a Constituição-cidadã, intensificou entre os brasileiros o desejo de cumpri-la.  Neste contexto, ensina Luís Roberto Barroso:

Ao longo da história brasileira, sobretudo nos períodos ditatoriais, reservou-se ao direito constitucional um papel menor, marginal. Nele buscou-se não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce. A Constituição de 1988, com suas virtudes e imperfeições, teve o mérito de criar um ambiente propício à superação dessas patologias e à difusão de um sentimento constitucional, apto a inspirar uma atitude de acatamento e afeição em relação à Lei Maior. O último decênio é marcado pela preocupação, tanto do próprio constituinte como da doutrina e dos tribunais, com efetividade do texto constitucional, isto é, com o seu real cumprimento, com a concretização da norma no mundo dos fatos e na vida das pessoas.

A patologia do autoritarismo, aliada a certas concepções doutrinárias retrógradas haviam destituído outras constituições de sua força normativa, convertendo-as em um repositório de promessas vagas e exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata. A Constituição de 1988 teve o mérito de romper com este imobilismo[3].

Sob esse prisma, trazido pela Constituição-cidadã, é que deve ser interpretada e aplicada a Lei de Abuso de Autoridade.

Segundo o ensinamento de Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas,

Os tipos estabelecidos nesta lei especial são, pura e simplesmente, a repetição das declarações de direitos do Homem. É bem por isso que ela protege a liberdade de locomoção, o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio, a incolumidade física e outros tantos valores consagrados internacionalmente[4].

1.3 Considerações gerais sobre o abuso de autoridade

A doutrina acerca do tema não é muito vasta. Em especial, nada foi escrito sobre abusos cometidos nas casernas.

Assim, há algumas lacunas na doutrina. Talvez a maior delas seja a dos crimes militares, em especial a não aplicabilidade do instituto da fiança nesses delitos. Ao menos até onde foi pesquisado, não há ensinamentos nesse sentido.

Uma outra lacuna doutrinária de especial interesse é a possibilidade de um advogado, no exercício do seu múnus, o qual é público nos termos do Estatuto da OAB, cometer o delito de abuso de autoridade. Ressalte-se que tal possibilidade não excluiria a natureza própria do delito, uma vez que a função do causídico está tipificada no artigo 5° da Lei 4.898/65. Tal lacuna é absoluta, nada há escrito sobre isso.

O crime de abuso de autoridade, tipificado na Lei 4.898/65, recebeu várias críticas quanto ao seu nomem iuris. Não é por menos. O correto deveria ser abuso de poder, pois não é necessário ser autoridade para cometer tal delito, basta exercer uma função pública com poder de decisão. Como exemplo, basta pensar no diretor de um hospital psiquiátrico que determinasse a abertura de todas as correspondências dos pacientes.

1.4 Das penalidades previstas na Lei 4898/65

O crime de abuso de autoridade é reprimido nas esferas administrativas, cíveis e penais, como ordena o artigo 6° da norma em estudo.

Na esfera administrativa, para o militar federal, é do nosso entendimento que não se aplica o §1° do artigo em pauta, devendo ser aplicadas as seguintes normas, a saber:

a)                    Para advertência e repreensão, aplicar-se-á o regulamento disciplinar da respectiva Força, uma vez que os três regulamentos militares são normas específicas e posteriores à Lei 4.898/65.

b)                   Para destituição de função e demissão a qualquer título deverá ser aplicado o Decreto no 71.500, de 05.12.1972, que rege o Conselho de Disciplina, no caso de praças, ou a Lei no 5.836, de 05.12.1972 que estipula o Conselho de Justificação, no caso de oficiais. Tais leis, pelos mesmos argumentos anteriores, são normas específicas e posteriores à Lei 4.898/65.

c)                    Contudo, o item c, não possui aplicação na esfera administrativa castrense, principalmente no caso dos oficiais, em face do contido no §7° do artigo 42 da Constituição Federal.

Na esfera cível, entendemos que se encontra completamente derrogado o §2° da Lei 4.898/65. Em superficial análise, vê-se claramente que o legislador de 1965 estava a se referir ao dano moral, por ser um prejuízo que não se pode fixar o valor. Ora, trata-se, na verdade, de responsabilidade civil, a qual encontra-se no Código Civil Brasileiro.

Na esfera penal, ponto de interesse para a pesquisa, o §3° do artigo 6° da Lei 4.898/65, previu que a sanção será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do CP, com clara alusão aos artigos previstos antes da reforma penal de 1984. Atualmente, os artigos correspondentes são os 59 a 76 do Código Penal Brasileiro.

A lei prevê três penas: multa, privativa de liberdade e perda de cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de até três anos, podendo as reprimendas serem aplicadas autônoma ou cumulativamente.

Na pena de multa não mais se aplica o valor estipulado na lei, e sim os artigos 49 a 52 do CP, sendo o montante calculado em dias-multa, o qual possui o domínio de um trigésimo a cinco vezes o maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato.

Para a pena privativa de liberdade, prevê a lei detenção por 10 a 6 meses. Detenção, como é de geral sabença, é a pena que deve ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto, nos termos do que preceitua o artigo 33, in fine, do CP, salvo casos extremos.

Em sendo a pena privativa de liberdade inferior a um ano, é direito subjetivo do condenado vê-la substituída por uma pena de multa ou por uma restritiva de direitos, como determina o artigo 44, §2° do CP, desde que presentes os requisitos previstos nos incisos I, II e III do caput do citado artigo.

Ressalte-se que mesmo em caso de reincidência é possível a substituição, desde que o juiz entenda sê-la recomendável, por autorização legal prevista no §2° do artigo em estudo.

Entretanto, se a pena privativa de liberdade for aplicada cumulativamente com a pena de multa, não poderá aquela ser substituída, segundo a Súmula 171 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: “Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa”.

Existe ainda a possibilidade do condenado ser beneficiado pela suspensão condicional da pena, prevista nos artigos 77 e seguintes do CP. Embora o inciso III, do artigo 77, diga que o sursis somente se aplica se não for indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44, existe uma discussão doutrinária sobre qual das medidas é mais benéfica ao réu.

A última das penas prevista é restritiva de direitos, cominada como perda de cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública.

Sem embargos de opiniões contrárias, entendemos não ser tal reprimenda aplicada aos integrantes das Forças Armadas, pois a perda de cargo de oficiais, não somente está prevista no §7° do artigo 42 da Carta Magna, como também é regida por lei específica, posterior e mais benéfica, isto é, encontra-se vigendo no artigo 1°, IV, da Lei 5.836/72 – Conselho de Justificação, sendo a declaração de perda do posto ou patente, em última instância, da competência do Superior Tribunal Militar.

1.5 Da competência para processar e julgar o militar federal incurso nas penas previstas da Lei 4898/65

Na análise da competência, a primeira vista, poder-se-ia pensar que, quando cometido por militar, o crime seria da esfera da Justiça Especial. Contudo, o delito não se encontra previsto no Código Penal Militar, logo, falece à Justiça Federal Castrense a competência para processá-lo e julgá-lo. Entretanto, quando o delito é cometido por militar federal, existe o interesse da União em apurar o ocorrido. Assim sendo, competente será o juiz criminal federal, nos termos do contido nos incisos I e IV do  artigo 109, da Constituição Federal.

Quanto à competência territorial, será utilizada a regra do artigo 70 do Código de Processo Penal, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.

No caso de concurso do delito abusivo com um crime militar, cindir-se-ão os processos, ficando a Justiça Federal Castrense com o delito militar, e a Justiça Federal Comum com o crime de abuso de autoridade, nos termos do previsto no artigo 79, I do CP.

1.6 Da natureza do delito e considerações finais

O delito é de pequeno potencial ofensivo, por possuir pena máxima inferior a dois anos. Quando a definição de potencial ofensivo era regida pela Lei 9.095/95, embora o abuso de poder nela se enquadrasse, a competência do juizado especial era excluída pelo artigo 61 da própria norma, uma vez que o delito abusivo possui procedimento especial. No entanto, com a edição da Lei 10.259/2001, a qual tomou para si qualquer delito da competência da Justiça Federal cuja pena máxima seja inferior a dois anos, independentemente de quaisquer outros procedimentos, ficou claro que o delito de abuso cometido por um militar das Forças Armadas é da competência do Juizado Especial Criminal Federal.

O artigo 1° da lei reguladora fala em direito de representação. A primeira vista pode parecer que estamos diante de um delito de ação penal pública condicionada, contudo, assim não se apresenta a realidade.

Na verdade, a expressão representação não consta na lei com natureza de condição de procedibilidade da ação penal, e sim como a manifestação legal do direito de petição, petrificado no inciso XXXIV, do artigo 5° da atual Carta Magna.

Tanto é assim, que a Lei 5.249, 09.02.1967, diz que a falta de representação do ofendido não obsta a iniciativa ou o curso da ação penal pública. Logo, o delito de abuso de autoridade é de ação penal pública incondicionada.

Os crimes previstos na Lei 4.898/65 são delitos de pequena monta. Foram criados para evitar abusos dolosos de funcionários públicos, não se admitindo a figura culposa. Para que um funcionário cometa o delito há que haver uma conduta destinada a humilhar, a vexar, a exorbitar do poder.

Ademais, são delitos facilmente absorvíveis por outros mais graves, embora possam existir de forma autônoma. Por exemplo: se um Encarregado de Inquérito Policial Militar mantiver o indiciado preso por três dias, a fim de que este confesse as acusações imputadas, seria absurdo e risível denunciar aquele pelo delito previsto no artigo 4°, a da lei em estudo, o qual levaria a uma pena máxima de seis meses de detenção, e com as benesses do procedimento especial criminal. Nesse caso, na verdade, terá o oficial cometido o crime hediondo de tortura, tipificado no artigo 1°, I, a, da Lei 9.455/97, sujeito à reclusão de dois a oito anos, acrescida da causa de aumento de pena prevista no § 4°, I.

Por outro lado, se o Encarregado do IPM, movido por um sentimento de prepotência, mantiver o indiciado aguardando para ser ouvido por cinco horas, e sem uma justa causa, estará incidindo na figura típica do artigo 3°, a da lei do delito abusivo, pois está ilegalmente cerceando a liberdade de locomoção do indiciado.

Essa característica de tipificar pequenos delitos é a maior virtude da Lei 4.898/65, pois protege o cidadão de condutas pessoais e aviltantes das autoridades públicas.

CAPÍTULO 1.  DA PRISÃO EM FLAGRANTE

O direito fundamental de liberdade encontra-se petrificado no inciso LXI, do artigo 5o, da Carta Magna. Só há uma interpretação possível para o aludido artigo: ninguém pode ser preso sem ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial competente.

Assim sendo, fica abolida qualquer tipo de cerceamento de liberdade, por ato de ofício do encarregado do inquérito, como exemplo, citem-se os artigos 17 e 18 do CPPM, os quais não foram recepcionados pela Constituição de 1988.

Com a mesma sorte encontram-se as prisões para averiguações, as chamadas prisões de polícia, as detenções em quartéis, etc. Tais práticas nada mais são do que privação ilegal de liberdade.

Contudo, a própria Carta Política previu exceções para a regra geral, ou seja, em caso de flagrante delito, transgressão militar ou crime propriamente militar a prisão pode ser realizada sem que haja o prévio conhecimento da autoridade judiciária.

A prisão por transgressão disciplinar diz respeito ao Direito Administrativo, e é realizada sem que o militar faça uso das suas atribuições de polícia judiciária, logo, não pertence ao escopo do presente trabalho.

Entretanto, a prisão em flagrante, seja por crime propriamente militar ou não, é o pleno e instantâneo uso das atribuições de polícia judiciária exercida pelo militar federal.

Abstendo-se, no momento, do conceito de flagrante e justa causa para a prisão, o certo é que diante da imediata ocorrência de um delito castrense, é dever do militar efetuar a prisão do infrator, nos termos do artigo 243 do CPPM.

A Lei 4.898/65 protege a liberdade física dos cidadãos em dois artigos distintos. No artigo 3, a a norma tipifica como abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção, e no artigo 4, a a lei tipifica como abuso ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.

O artigo 3, a da lei do delito abusivo, diz respeito à liberdade de locomoção de uma pessoa. Desejou o legislador tipificar o tipo penal de forma a punir qualquer atentado à liberdade, mesmo que a ação do agente seja algo diferente da prisão. O artigo tipifica um delito de forma livre, pois pode ser cometido por qualquer comportamento constritor de liberdade física, ou seja, é defeso aos agentes do estado cercear a liberdade de uma pessoa sem motivo justo, a qualquer título. Por  exemplo: o encarregado do IPM, por razões pessoais, deixa que uma testemunha permaneça várias horas na Organização Militar, aguardando para ser ouvida na inquisa.

No entanto, o artigo 4, a da lei do delito abusivo é mais restrito. Nesse tipo penal, quis o legislador que fossem enquadradas as prisões sem justa causa, ou as prisões devidas, mas sem  as formalidades legais.

O certo é que o cerceamento de liberdade de um indivíduo é o ponto nevrálgico dos delitos de abuso de autoridade. Verifica-se que 80% dos feitos envolvendo delitos abusivos são oriundos de restrição de liberdade dos cidadãos. É admirável como, mesmo após quinze anos de norma constitucional inibidora, a prática continua.

Flagrante é o delito que está sendo cometido. É o meio pelo qual a sociedade se protege de uma agressão, mantendo sob custódia o agressor.

Considera-se próprio o flagrante quando o agente acabou de cometer o delito, estando, portanto, sob certeza visual. Será impróprio quando for o agente perseguido e capturado sem que tenha havido interrupção na perseguição. Será presumido quando o agente for encontrado com objetos os papéis que façam presumir a autoria do delito.

Ao manter o agente sob custódia, não estará a autoridade militar punindo o infrator, até porque somente o Estado-juiz possui competência para ações punitivas. A prisão em flagrante possui natureza cautelar, e a sua principal característica é garantir a autoria e a materialidade do delito.

Nesse diapasão, ocorrido delito de competência da Justiça Militar da União surge de imediato as atribuições de polícia judiciária militar. Assim sendo, qualquer oficial passa a possuir autoridade para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, sendo também certo que qualquer outro militar passa a ter o poder-dever de efetuar a prisão do infrator, nos termos do artigo 243 do CPPM.

Gize-se que “o não-cumprimento desse dever, dependendo do caso concreto, poderá sujeitar a autoridade omissa às sanções de natureza administrativa e, às vezes, às sanções de natureza penal, pois poderá configurar o crime de prevaricação”[5].

Aquele que presenciar o delito deverá efetuar a prisão do infrator, conduzindo-o a um oficial para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

O APF deverá ser lavrado imediatamente após a prisão. Entende-se que “A lei não fixa prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Todavia, o seu caráter de urgência, aliado aos entraves de cunho administrativo, levou os tribunais a optar por prazo limite de 24 horas, tempo em que será fornecida ao indiciado a nota de culpa”[6].

No APF deverá estar consignado todos os fatos que ensejaram a prisão em flagrante. Deverão ser ouvidos o condutor, as testemunhas e o infrator, obrigatoriamente nessa ordem, sob pena de nulidade.

Ao infrator deverão ser assegurados os direitos e garantias previstos na Carta Política, isto é, o devido processo legal (art. 5°, LIV), presunção de inocência (art. 5°, LVII), direito ao silêncio (art. 5°, LXIII), identificação dos responsáveis pela prisão (art. 5°, LXIV) e a assistência da família e de advogado (art. 5°, LXIII).  O reconhecimento de tais direitos deverá estar consignado no APF.

Após a lavratura do APF, em sendo constatado a existência de crime militar e a autoria do indiciado, este deverá ser conduzido à prisão.

Dentro do mesmo prazo para a lavratura do APF, ou seja, 24 horas, deverá o Encarregado do APF entregar ao infrator a Nota de Culpa, da qual passará recibo.

A Nota de Culpa possui dupla finalidade: a uma, coíbe prisões ilegais, pois o executor da prisão necessita fundamentar a custódia; e, a duas, garante a ampla defesa desde o início da persecução penal.

Efetuada a prisão, a autoridade judiciária militar deverá ser imediatamente comunicada, sob o comando da norma constitucional prevista no art. 5°, LXII, combinada com o artigo 222 do CPPM.

Com efeito, a Lei Complementar n° 75/93 reza no seu artigo 10 que:

“A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão”. (grifamos)

Entenda-se Ministério Público competente o parquet militar oficiando junto às auditorias militares.

Questão interessante, diz respeito à flagrância dos delitos de deserção e insubmissão.

A insubmissão inclui-se na categoria dos crimes impropriamente militares. Aliás, é o único delito propriamente militar que somente pode ser cometido por um civil.

A insubmissão consiste no ato do convocado furtar-se à incorporação para o serviço militar. É crime permanente e de consumação instantânea, perdurando o estado de flagrância enquanto não houver a regular apresentação do insubmisso.

Não há casos de prisão em flagrante de insubmissos na jurisprudência do Superior Tribunal Militar, talvez, pela total impossibilidade de verificar-se o estado de flagrância de cidadãos no mundo civil, talvez pelo interesse social da sociedade em servir às Forças Armadas, haja vista a fome e o desemprego reinante no país.

A deserção é crime propriamente militar, e consiste na ausência ou a não permanência do militar no local onde serve por mais de oito dias. É crime permanente e de consumação instantânea, perdurando o estado de flagrância enquanto não houver a regular apresentação do desertor, e é dever de todo militar prender que esteja em situação de deserção.

É farta a jurisprudência castrense nos casos de deserção.

Comentando ainda a captura, poderia alguém, em especial a defesa, levantar os benefícios do instituto da liberdade provisória, no tocante a insubmissão, visto que a deserção, não tem esse direito (art. 270, do CPPM), onde na ocorrência daquele delito, não poderia ficar preso. Porém na Justiça Castrense, existe um tipo de prisão provisória denominada menagem, a qual ocorre fora do cárcere, normalmente, conforme descrevem os artigos 263 a 269, todos do CPPM, em especial para este caso o artigo 266, da referida lei.

Questão que não se poderia deixar de mencionar no presente trabalho diz respeito ao uso de algemas. 

O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

Quanto ao emprego de algemas, este deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242 do CPPM, ou seja: os ministros de Estado, os governadores ou interventores de estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia, os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados, os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei,  os magistrados, os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados, os oficiais da Marinha Mercante Nacional, os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional, os ministros do Tribunal de Contas e os ministros de confissão religiosa.

       Já o estado de São Paulo tem o uso de algemas regulamentado pelo decreto 19.903, de 30 de outubro de 1950, que dispõe, in verbis:

art. 1º — O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º — Condução à presença da autoridade dos delinquentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

2º — Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

3º — Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.

O emprego das pulseiras de ferro é previsto, da mesma forma, na legislação que dispõe sobre a segurança no tráfego em águas territoriais brasileiras (lei 9.537/97), permitindo ao comandante, com o fim de manter a segurança das pessoas, da embarcação e da carga, deter o desordeiro, em camarote ou alojamento, “se necessário com algemas”, ex vi do artigo 10, inciso III, da lei especial.

De qualquer forma, o uso de algemas deve ser evitado. Ademais, a ofensa à dignidade da pessoa humana é tão patente, tão gritante, tão escandalosa, tão sugestiva, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão. Se não, vejamos:

Júri — Nulidade — Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser perigoso — Inadmissibilidade — Fato com interferência no ânimo dos jurados e, conseqüentemente, no resultado — Constrangimento ilegal caracterizado — Novo julgamento ordenado — Aplicação do art. 593, III, ‘a’, do CPP.

Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a nulidade.

(TJSP — Ap. 74.542-3 — 2ª C. — j. 8.5.89 — rel. des. Renato Talli — RT 643/285).

Penal. Réu. uso de algemas. Avaliação de necessidade.

A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a periculosidade do acusado. Recurso provido.

(STJ — RHC 5.663 — Sexta Turma — j. 19.8.96 — min. William Paterson — DJ de 23.9.96).

É de bom alvitre, principalmente em face do despreparo dos oficiais militares, dizer que a legislação castrense prevê uma série de diligências com participação de órgãos e membros da Polícia Civil, inclusive do próprio Delegado de Polícia, estando este investido de suas funções de Autoridade Policial competente, onde relaciona-se com as Autoridades Judiciárias Militares (colegiadas e singulares), Autoridades Policiais Militares ou por delegação destas, os Encarregados dos Inquéritos Policiais Militares, tudo previsto nos diplomas legais, tais como: Código Penal Militar (CPM), Código de Processo Penal Militar (CPPM), Lei de Organização Judiciária Militar (LOJM), Estatuto do Ministério Público da União (EMPU) e Estatuto dos Militares (EM).

Além de outras diligências, uma das mais importante é a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito Militar pelo Delegado de Polícia, pois o artigo 250 do CPPM diz que quando a prisão em flagrante for efetuada em lugar não sujeito a administração militar o auto poderá ser lavrado por Autoridade Civil, ou pela Autoridade Militar do lugar mais próximo daquele que ocorrer a prisão pela prática de crime militar. Este ato de polícia judiciária, algumas pessoas desinformadas dizem que foi revogado pela Carta-Magna de 1988, o que é uma inverdade, pois lavratura de auto de prisão em flagrante não é e nem nunca foi apuração de infração penal, pois tal ato tem como objetivo maior assegurar quem seja o autor da infração bem como de que forma a mesma ocorreu, evitando que as provas, evidências se percam no tempo, sendo que possui um tríplice efeito, tais como a exemplaridade, servindo de advertência aos maus, a satisfação, restituindo a tranquilidade aos bons e por último o prestígio, restaurando a confiança na lei, na ordem jurídica e na autoridade, sendo que ainda a prisão em flagrante inclui-se entre as prisões cautelares de natureza processual e que a rigor é um mero ato administrativo levado a cabo pela Polícia Judiciária, incumbida que é de zelar pela ordem pública e mesmo sendo levada a cabo por Juiz, não perde o caráter administrativo.

Na esfera militar pode ocorrer, como na Polícia Judiciária Comum, ser o auto de prisão em flagrante delito uma peça inicial de Inquérito Policial e conforme o artigo 27, do dispositivo em foco, caso este auto por si só, for suficiente para elucidação do fato e de sua autoria o mesmo se constituirá em Inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime, etc, onde sua remessa (Autos de Prisão em Flagrante), consistirá em breve relatório da Autoridade Policial Militar, o fazendo sem demora ao Juiz competente, no prazo de 20 dias (réu preso) e 40 dias (réu solto).

Diante de tudo isto podemos afirmar que o Auto de Prisão em Flagrante Delito, é a forma de tornar, lavrando-o, a prisão oficial, ou seja, o auto regulariza a prisão em flagrante delito e isto não é apuração de infração penal, aliás corroborando com este pensamento, vejamos novamente o que diz o festejado Mestre Tales Castelo Branco (Da Prisão em Flagrante, Editora Saraiva, Ed 1988, fls 124), a respeito do afirmado:

O auto de prisão em flagrante. A Autuação. A prisão em flagrante e os motivos que a determinam precisam ser registrado por escrito. Precisam ficar devidamente documentados para serem apreciados e valerem como prova da ocorrência. Isto se faz por meio da autuação dos fatos, minudentemente descritos através dos depoimentos de tantos quantos intervieram no ato estatal de coação. Numa síntese, autuar é reduzir a auto, é documentar. Ato e auto, originariamente, são sinônimos. É o registro escrito da teatralidade da ocorrência, por isso que essas noções de ato e de auto ainda se confundem, como no passado, permitindo dizer que a prisão em flagrante é um auto processual idêntico a um ato teatral escrito.

Mesmo que pese ainda o referido artigo, onde algumas vezes já tem elementos para eventual denúncia do Ministério Público Militar, dispensando a instauração de IPM através de Portaria, mas mesmo assim é de se lembrar que sempre existirá algumas diligências a serem realizadas, tais como, verificação de vida pregressa, antecedentes, etc.

Em assim sendo, estar-se-á apurando a infração penal militar, o que não pode ser feito pela Polícia Civil, porém a lavratura da prisão pode ser feita por estes policiais.

Com efeito, se o auto de prisão fosse Inquérito Policial, a autoridade policial (Civil ou Militar) quando o lavrasse não teria que remetê-lo à autoridade competente, como exemplo a do local onde ocorreu o delito e no caso em apreço a autoridade policial militar competente para apurar a respectiva infração penal militar. Sem contar ainda que o IPM (art. 28, do CPPM) é dispensável como ocorre também com o IP (STF, RTJ, 76 / 741).

Quanto à formalização do auto, aplica-se o artigo 21, baseado na analogia permitida pelo artigo 3º, ambos do CPPM.

Os Autos serão por ordem cronológica, reunidos num só processo e datilografados em espaço dois, com as folhas numeradas e rubricadas pelo Escrivão, e demais providências de praxe, tais como expedição de nota de culpa, etc, bem como as anotações de ordem constitucional, relativas as garantias individuais, pois a não observância de tais preceitos, levam a Autoridade Judicial a relaxar a prisão.

Quanto à apresentação do autuado, deverá a autoridade policial observar o artigo 47, do Estatuto dos Militares onde diz, além do flagrante propriamente dito, que esta fica obrigado a entregá-lo imediatamente à autoridade militar mais próxima, só podendo retê-lo na Delegacia ou Posto Policial, durante o tempo necessário a lavratura do flagrante, sendo que em seu Parágrafo 1º, caso não cumpra o acima, será a autoridade policial responsabilizada. Notando-se ainda, que conforme determina o Artigo 25l, do CPPM, o auto de prisão em flagrante, deve ser remetido imediatamente ao juiz competente.

Quanto à liberdade provisória, o indiciado ou acusado livrar-se-á solto no caso de infração a que não for cominada pena privativa de liberdade, podendo livrar-se solto ainda, conforme o estabelecido no Parágrafo Único, letras “a” e “b”, tudo do artigo 270, do CPPM, lembrando que no Processo Penal Militar não existe o instituto da fiança.

A Autoridade Policial, deverá ater-se ao instituto da fiança, pois após lavrar o Auto de Prisão em Flagrante Delito, em crime militar, deverá concedê-la, pois se não pudesse, o legislador sequer mencionaria a figura “o indiciado” no artigo 270, como também “e por despacho da autoridade que a conceder”, conforme artigo 271, pois a figura autoridade, toda a vez que for mencionada no CPPM, refere-se a Judiciária ou Policial Militar, visto que quando o legislador quer deixar bem claro a competência para praticar alguns atos, ele o faz mencionando qual o tipo de Autoridade, se Policial Militar e por delegação deste Encarregado de IPM ou Autoridade Judiciária.

Sendo que concedida à liberdade provisória, aliás o termo mais correto seria o indiciado livrar-se-á solto, a Autoridade Policial no caso, deverá elaborar um termo de comparecimento a todos os atos do processo, que eventualmente irá aquele se submeter e de pronto, apresentá-lo, preferencialmente na sua Organização Militar de origem, não sendo possível à Unidade Militar mais próxima, que se encarregará de tomar todas as medidas que o caso requer.

Contudo, a recíproca não é verdadeira, e é esse o ponto de maior interesse. Constitui abuso de autoridade a lavratura de auto de prisão em flagrante por crime que não seja militar.

Todavia, apesar da Polícia Judiciária Castrense não ter poderes para lavrar auto de prisão em flagrante e instaurar inquérito policial comum, seus agentes, ou melhor, os militares em geral, podem, como devem participar de atos iniciais de Polícia Judiciária Comum, tais como: preservação de local de delito, arrecadação para posterior exibição e apreensão de objetos que tiverem relação com o fato delituoso, a prisão-captura em flagrante delito e neste caso, de imediato, informando ao custodiado os seus direitos constitucionais, etc, como a Policia Judiciária Comum realizaria.

CAPÍTULO 2.  DAS RELAÇÕES COM O ADVOGADO DO INDICIADO E O ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

A Lei 4.898/65 tipifica no seu artigo 3o, j que constitui abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

O tipo penal não especifica a profissão. Contudo, dentro do contexto a ser analisado, é com os profissionais da advocacia que o encarregado do IPM lidará.

Advogado, é o bacharel em Direito inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Os direitos e deveres dos causídicos estão regulados na Lei 8.906, de 4 de julho de 1994- Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, entre eles, o de comunicar-se reservadamente com os clientes, ter acesso às organizações militares, ser recebido e atendido, ter vistas e copiar autos, etc.

Os advogados são essenciais à justiça, sendo dever do Encarregado do IPM prover meios para que aqueles profissionais possam exercer o seu múnus, sob pena de cometerem a conduta típica de abuso de autoridade.

Por outro prisma, é dever do oficial encarregado prover o sigilo das investigações, nos termos do artigo 16 do CPPM.

Destarte, o artigo 16 do CPPM, embora aparente no seu próprio texto um conflito, é perfeitamente aplicável e consoante com a Lei 8.906/94. Esse conflito aparente de normas, fica resolvido pela não existência do contraditório em procedimentos inquisitoriais.

Em um inquérito policial não há a obrigatoriedade de se comunicar ao advogado do indiciado o que se pretende fazer ou quais diligências serão necessárias, contudo, não se pode impedir que o patrono do indiciado tome conhecimento do contido nos autos da inquisa.

De forma idêntica, é defeso ao encarregado do IPM impedir que o advogado do indiciado tome parte nas oitivas a serem realizadas durante o procedimento.

O patrono do indicado ou de testemunhas possui o direito de acompanhar quaisquer diligências a serem realizadas, o que não existe é o dever do oficial encarregado comunicá-lo das suas intenções investigativas.

Deve o encarregado da inquisa estar atento às inviolabilidades dos advogados. A garantia constitucional da inviolabilidade do advogado per­passa todo o texto do Estatuto, que a regulamenta. Os limites legais referidos na Constituição (art. 133) têm uma dimensão positiva e negativa.

Na dimensão positiva, a inviolabilidade do advogado, referida expressamente nos arts. 22, § 32, e 72, II e XIX e §§ 22 e 32, do Estatuto, ostenta as seguintes características: imunidade profissional, por manifestações e palavras;  proteção do sigilo profissional; proteção dos meios de trabalho, incluindo local, instalações, documentos e dados.

Na dimensão negativa, os limites referidos na Constituição re­velam-se no poder exclusivo da OAB de punir disciplinarmente os excessos cometidos pelo advogado.

A inviolabilidade é espécie do gênero imunidades. A imunidade material importa a descriminalização do delito tipo para quem é legitimado a receber sua tutela e pode ser concebida como inviola­bilidade, como o faz a Constituição no art. 133.

A imunidade também alcança o delito civil, não podendo o advogado ser imputável por responsabilidade civil, inclusive por danos morais, em virtude de ofensas irrogadas no exercício de sua profissão.

Essa peculiar imunidade profissional não constitui um privilégio. Em verdade, o escopo da lei é menos a proteção do profissional e muito mais a do cliente, rectius, do cidadão. O segredo que guarda não é seu, é do cliente. Os atos e manifestações profissionais são proferidos em razão do patrocínio do cliente. Os instrumentos de trabalho não são bens de desfrute pessoal, mas existem em função dos clientes. A inviolabilidade não é absoluta porque não alcança os atos não profissionais, a saber, os que dizem respeito a interesses meramente pessoais, e os excessivos, que ultrapassam os limites da razoabilidade, aos quais incidem as normas disciplinares.

A imunidade profissional estabelecida pelo Estatuto é a imunidade penal do advogado por suas manifestações, palavras e atos que possam ser considerados ofensivos por qualquer pessoa ou autoridade. A imunidade é relativa aos atos e manifestações empregados no exercício da advocacia, não tutelando os que deste excederem ou disserem respeito a situações de natureza pessoal.      .

A natureza eminentemente conflitiva da atividade do advogado frequentemente o coloca diante de situações que o obrigam a expender argumentos à primeira vista ofensivos, ou eventualmente adotar conduta insurgente.

Essa regra não é novidade no direito brasileiro. Com exceção ao desacato, a imunidade já estava prevista no art. 142, lI, do Código Penal, ao preceituar que não constituem injúria ou difamação puní­vel “a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”, ou seja, não se caracteriza privilégio porque se dirige a qualquer cidadão que se manifeste em juízo. A imunidade prevista no Estatuto não se limita às ofensas irrogadas em juízo, mas em qualquer órgão da Administração Pública, e em relação a qualquer autoridade extrajudicial, como, por exemplo, quando o advoga­do atua perante um Inquérito Policial Militar ou um Con­selho de Justificação.

No plano internacional, a Carta de Princípios Fundamentais da Profissão Forense (Bonn, 1964) da União Interna­cional de Advogados estabelece que “a palavra do advogado nos Tri­bunais está amparada pela imunidade”.

O Estatuto não permite que possa ser restringida em razão da autoridade a que se dirija a ofensa, ou que se sinta ofendida. A imu­nidade é relativa às partes, aos magistrados e a qualquer autoridade pública, judicial ou extrajudicial. O preceito do § 12 do art. 72 do Estatuto não admite interpretação limitadora de seu alcance que ele próprio não tenha previsto. Caem por terra certos entendimentos jurisprudenciais que excluíam a imunidade profissional das ofensas irrogadas contra juiz, consideradas crime contra a honra

A regra da imunidade guarda coerência com o princípio da igual­dade dos figurantes da administração da justiça, que o Es­tatuto tomou claro e incisivo. Por esse princípio, o advogado e o encarregado do IPM são autoridades do mesmo grau, com competências específicas e harmônicas, ambos exercendo serviço público.

Por não dispor do poder de punir o advogado, é vedado ao oficial presidente da inquisa excluir aquele do recinto onde estiver em curso a diligência, inclusive de audiências e sessões, ou censurar as manifestações escritas no processo, por elas consideradas ofensivas, estando derrogadas as normas legais que as admitiam.

Não há exigência de se estabelecer qualquer vínculo entre a ofensa e a causa ou processo judicial. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que esse vínculo está na própria atuação do advogado a quem se confere a imunidade, sendo aquela exigência “uma restrição que a lei não faz”.

A imunidade profissional não exclui a punibilidade ético-disci­plinar do advogado, porque cabe a ele o dever de tratar os oficiais das Forças Armadas com consideração e respeito recíprocos.

Gize-se que apenas a OAB tem competência paia punir o excesso do advogado, por suas manifestações, palavras e atos, no exercício da advocacia, e que poderiam tipificar crime contra a honra. Se o fizer, o encarregado do inquérito cometerá abuso de autoridade, tipificado como crime na Lei n. 4.898/65, que o configura no art. 3º, j como “qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”.

A falta de reciprocidade de tratamento respeitoso por parte de oficias das Forças Armadas, devidamente comprovada, afasta a infração disciplinar imputável ao advogado, em situações concre­tas, salvo por seus excessos.

CAPÍTULO 3.  DAS GARANTIAS DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, O SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E A INCOLUMIDADE FÍSICA

O direito fundamental de intimidade, que pertence aos direitos da personalidade, encontra-se petrificado no inciso XI, do artigo 5o, da Carta Magna. Só há uma interpretação possível para o aludido artigo: a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela pode entrar sem o consentimento do morador.

Fonseca[7], diz que “Violação de domicílio é denominação imprópria, porquanto a lei penal não tutela apenas o domicílio (art.150, CP), como está na lei civil (arts. 31 a 33 do Código Civil[8]), mas todo o lugar de habitação ou atividade privada”.

Assim sendo, fica o encarregado do inquérito policial militar impedido de entrar em qualquer local que seja de habitação ou atividade privada.

Entretanto, a própria Carta Política previu as exceções, quais sejam: em caso de flagrante delito, em caso de desastre, em caso de necessidade de se prestar socorro, e durante o dia, por determinação judicial.

Os casos de desastre e prestação de socorro aos moradores, dizem respeitos aos deveres morais, sociais e humanitários, tutelados pelo Direito e pertencente a todos os cidadãos.

No exercício da polícia judiciária militar, o encarregado da inquisa somente poderá adentrar um local de morada em caso de flagrante delito ou através de mandado judicial, nunca se esquecendo que, mesmo com ordem judicial, a entrada em domicílio deve ser realizada no período diurno, isto é, entre as seis e dezoito horas.

Outro tema é o dever de se preservar o pensamento humano. O Homem desde a sua gênese materializa o seu pensamento em documentos, e é direito seu mantê-lo a salvo de indesejadas intromissões. Desta forma, é defeso ao encarregado da inquisa conduzir qualquer atentado à correspondência pessoal dos indiciados, testemunhas ou presos.

 Questão interessante é quanto à correspondência já aberta e encontrada com o infrator durante uma prisão em flagrante. Nesse caso, pode a missiva ser lida e verificada.

A violação de correspondência, com maltrato a liberdade de pensamento resguardada pela constituição federal somente se concretiza quando se tratar de “correspondência fechada”. De outro lado, a apreensão de documento, representado por minuta de carta já remetida, não representa afronta ao direito assegurado pelo art. 5., X, da CF (intimidade, vida privada, etc.) porque idêntica proteção é reservada a honra das pessoas, não podendo aquela (intimidade) servir de salvaguarda para maltrato a esta (honra).

De forma idêntica, a não se pode deixar de analisar as garantias à incolumidade física do indivíduo, nunca devendo o encarregado do IPM esquecer que qualquer cidadão envolvido de alguma forma com o inquérito tem o direito de ser física e moralmente respeitado, pois o envolvido estará, a todo o momento, sobre a proteção do Estado.

A figura típica prevista pelo art. 3º, i, da Lei 4898/65, só se considera caracterizada quando a ação do agente, potencialmente, ataca a incolumidade física do indivíduo.

 O delito de atentado à incolumidade física é de natureza concreta. Por conseguinte, é impossível ser configurado por interpretação extensiva da norma, especialmente, quando ela é de natureza extravagante. Dessa forma há que haver as homenagens aos princípios da legalidade e da tipicidade.

CAPÍTULO 4.  DAS DILIGÊNCIAS LEGAIS

Durante a condução de um Inquérito Policial Militar, o oficial encarregado deparar-se-á com a necessidade de realizar uma série de diligências, principalmente as oitivas das pessoas relacionadas com o fato a ser apurado.

Em todos os casos, como já exaustivamente explanado, deve o encarregado do IPM atentar que constitui manifestamente abuso de poder obrigar o indiciado (ou a testemunha) a permanecer na Organização Militar horas ou dias a fio, sem que possa retirar-se para tratar das suas ocupações habituais, a fim de ser ouvido quando a autoridade tenha tempo ou vontade de interrogá-lo.

O acúmulo de serviço deve determinar o adiamento do ato, com designação de outro momento preciso em que ele se realize, sem vexame para a pessoa convocada, pois, tratando-se de ofensas à liberdade de locomoção, não se distingue o preso do simplesmente detido, nem importa saber se o que vai se ouvido foi recolhido a uma cela, ou se é conservado em sala, gabinete, corredor, pátio ou qualquer outro lugar.

O que cumpre indagar é se o indivíduo que se diz constrangido na liberdade de sua locomoção, está realmente privado da faculdade de ir e vir; e isso acontece em qualquer daqueles casos.

O Código de Processo Penal Militar nos artigos 9 a 28, referentes ao IPM, silencia quanto aos procedimentos para as oitivas. Assim sendo, deve o encarregado socorrer-se dos capítulos referentes à ação penal, os quais trazem os procedimentos de ouvida de indiciados (art. 302 a 306), testemunhas (art. 347 e 364) e acareações (art. 365 a 367).

Na oitiva do indiciado, deve o encarregado do IPM ter em mente que tal procedimento é um meio de defesa, não estando aquele, portanto, obrigado a comparecer. Contudo, registre-se que é obrigatória a intimação do indiciado para que o mesmo seja ouvido na inquisa.

Tanto é assim que o art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos  Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678, de 09.11.1992, ao dispôs que toda pessoa tem direito a ser ouvida por um juiz ou tribunal, direito à comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada e direito ao acusado de defender-se pessoalmente.

Contudo, há que se observar que o interrogatório no inquérito é ato privativo do oficial encarregado, e não está sujeito ao contraditório, restando obstada a intervenção da  defesa.

Por outro prisma, é direito constitucional do indiciado permanecer calado durante as indagações do oficial no seu interrogatório.

Registre-se, em aditamento, que não é obrigatória a presença do advogado do indiciado por ocasião da oitiva.

Questão interessante, a ser analisada na pesquisa, é a possibilidade do oficial encarregado determinar a condução coercitiva de testemunhas, sem mandado judicial.

O comparecimento do indiciado aos atos processuais, em princípio, é um direito e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento. Nem mesmo ao interrogatório estará obrigado a comparecer, mesmo porque as respostas às perguntas formuladas fica ao seu alvedrio.

No processo penal, quando a testemunha, intimada normalmente, deixa de comparecer à audiência, o magistrado pode requisitar que a autoridade policial a apresente ou determinar que seja conduzida por oficial de justiça. No mesmo diapasão, pode aplicar à testemunha faltosa pena de multa sem prejuízo da instauração de processo por crime de desobediência.  

No inquérito policial militar, por não deter o encarregado o poder coercitivo do Estado, deve este representar à autoridade judiciária militar pela expedição de Mandado de Condução Coercitiva, a fim de que possa conduzir o faltoso à sua presença.

Há que atentar, outrossim, o encarregado do inquérito para a sua competência de realizar diligências.

O tipo penal de realizar diligência sem competência para tal, não se encontra na lei do delito abusivo, e sim no artigo 350, IV do Código Penal. Com efeito, tal inciso é o único a viger nesse artigo, uma vez que a Lei 4.898/65 derrogou os demais.

Diligências são ações investigatórias, típicas da atribuição de polícia judiciária militar. Assim sendo, conclui-se que o militar somente poderá realizar diligências quando no exercício de polícia judiciária.

Por ser a missão das Forças Armadas estranhas à segurança pública, e sim à segurança do Estado, os militares não possuem atribuições de polícia judiciária. Assim, se um militar decidir realizar a oitiva de uma testemunha do roubo de um veículo particular, pertencente a um amigo, estará cometendo o delito de abuso de poder, previsto no Código Penal.

No entanto, uma vez cometido um crime previsto no CPM, nasce para o militar a atribuição policial. Tal atribuição é, originariamente, das autoridades elencadas no artigo 7o , incisos a a h do CPPM, as quais, através de delegação, transferirão o exercício de polícia para outros oficiais.

CONCLUSÃO

A preservação da ordem disciplinar militar é função das Forças Armadas, que inclui assegurar o exercício dos direitos outorgados ao cidadão. No exercício de suas atribuições de polícia judiciária, os militares encontram-se autorizados a empregarem a força necessária para o restabelecimento da paz e da tranquilidade na caserna, limitando os direitos individuais que contrariem a ordem estabelecida.

No entanto, o uso da força pelos militares não autoriza a prática do abuso, ou o excesso. Os agentes policiais militares devem tratar o cidadão com respeito, observando os direitos que lhe são outorgados. A limitação dos direitos e garantias individuais exige violação a ordem estabelecida, que coloque em perigo a segurança e a paz social, que são de interesse da coletividade.

Por conseguinte, os agentes policiais militares no exercício de suas funções encontram-se sujeitos ao limites da lei. A atividade de policia judiciária militar possui aspectos discricionários, que são essenciais para o cumprimento das funções de segurança interna. O ato de polícia como ato administrativo que é fica sempre sujeito a invalidação pelo Poder Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder (MEIRELLES, Hely Lopes. Poder de Polícia e Segurança Nacional. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 445, p. 291, nov., 1972).

O cidadão em determinados momentos poderá ter o exercício de seus direitos limitados. As garantias constitucionais não impedem a atuação das forças policiais, que são responsáveis pela ordem pública e não podem ser omissos no exercício de suas funções sob pena de responsabilidade. 

Como de geral sabença, a sociedade sofre com a violência praticada por determinadas pessoas que não respeitam as regras preestabelecidas. Logo, a segurança é essencial para o desenvolvimento do Estado, e deve ser mantida por agentes que estejam preparados para empregarem a força, coação administrativa, quando necessária.

Todavia, a administração militar encontra-se sujeita aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da C.F). As Forças Armadas no exercício de suas funções também se encontram sujeitas aos princípios que regem a administração pública. O agente policial militar deve agir nos limites da lei, empregando a força para manutenção ou restabelecimento da ordem quando esta for necessária.

Ao se afastar de suas atribuições o agente policial militar poderá caminhar para o abuso, que não contribui para o combate à violência e à diminuição da criminalidade no âmbito castrense. A sociedade necessita de uma Força Armada que seja atuante e respeite os direitos e as garantias assegurados ao cidadão.

Com efeito, as autoridades policiais militares necessitam de certo arbítrio para poder alcançar seus objetivos e realizar suas funções. Seria fechar os olhos à realidade e torná-las ineficientes, se impedi-las de assim agir. Mas esse arbítrio deve ser exercido dentro dos limites da sua necessidade, sob pena de, ocorrendo o excesso, constituir crime (FREITAS, Gilberto Passos de, FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. 7a. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997. p. 50).

Assim sendo, a atividade policial encontra-se sujeita aos limites da lei, e seus agentes que sem necessidade ultrapassam os limites estabelecidos ficam sujeitos a processos criminais e disciplinares. O ato abusivo praticado pelos militares federais traz como conseqüência a obrigação da União em indenizar o particular pelo dano suportado.

A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (art. 144, caput, da C.F), sendo essencial para o desenvolvimento da sociedade. A Constituição Federal assegura aos brasileiros (natos ou naturalizados) e aos estrangeiros residentes no país direitos que não podem ser objeto de Emenda Constitucional por serem cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).

A segurança também é um direito fundamental assegurado ao cidadão (art. 5o, caput, da C.F), que está sob a responsabilidade do Estado. Segundo Javier Barcelona Llop, “a forças de segurança têm como missão proteger o livre exercício dos direitos e liberdades e garantir a segurança dos cidadãos”( LLOP, Javier Barcelona. Policia y Constitución. Madrid : Editorial Tecnos S/A, 1997. p. 225).

Gize-se que os direitos assegurados ao cidadão não teriam efetividade sem a presença das forças policiais para permitirem seu exercício de forma livre. A Constituição portuguesa no art. 272.1 estabelece a missão a ser desenvolvida pelos órgãos policiais, segundo o qual, “A polícia tem por função defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”  (LLOP, Javier Barcelona, op. cit., p. 228).

Dessa forma, os direitos fundamentais em determinadas situações com base na lei poderão sofrer restrições. A preservação da ordem pública autoriza as forças policiais a limitarem a liberdade do cidadão, sem que isso configure constrangimento ilegal, que somente existirá no caso de abuso ou excesso.

Desde que ocorra um interesse público relevante, justifica-se o exercício do poder de polícia da administração para a contenção de atividades particulares anti-sociais ou prejudiciais à segurança (MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 290-291). O particular não está acima da lei e deve obedecê-la, ou sujeitar-se as consequências de seu descumprimento.

As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionalmente ao bem estar social. Essas restrições, no nível das Forças Armadas, ficam a cargo da polícia judiciária militar. Mas, sob a invocação do poder de polícia, não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição (MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 290). As forças policiais exercem uma atividade essencial para o Estado de Direito, garantindo a segurança e preservando os direitos individuais do cidadão.

A missão dos agentes policiais militares é preservar a ordem pública na caserna e assegurar o livre exercício dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Para desenvolverem suas atividades os militares encontram-se legitimados a empregarem a força, e quando necessário, a utilizarem as armas. 

Contudo, as forças policiais possuem como limites de suas atividades a lei, e o administrado encontra nos agentes policiais o apoio necessário para o exercício das garantias, que lhe são asseguradas pelos instrumentos de defesa dos direitos individuais e coletivos.

O administrado encontra na polícia o apoio necessário para o exercício dos direitos e garantias que lhe são outorgados pela Constituição Federal. A força policial deve assegurar o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, por meio de policiais preparados para exercerem suas funções, respeitando o cidadão.

Por conseguinte, a atividade de segurança devido a sua importância deve ser exercida por militares preparados e que respeitem o cidadão. Ainda existem nas Forças Armadas militares que se afastam de suas missões constitucionais, preferindo a prática do abuso e o desrespeito à lei. O Estado não responde pelos atos legítimos, que são praticados para a preservação ou restabelecimento da ordem, mas pelos abusos dos que excedem os limites da lei e desrespeitam a dignidade do administrado.

Como conseqüência, a prática do abuso de autoridade sujeita o infrator (militar) a um processo-crime por ter violado as disposições da Lei no 4.898, de 9 de dezembro de 1965. O agente infrator ainda fica sujeito a um processo administrativo na forma do Estatuto dos Militares e dos respectivos regulamentos disciplinares. Em sendo considerado culpado, o militar estará sujeito a uma sanção disciplinar que compreende desde uma repreensão até a demissão do serviço público.

Registre-se que os limites do poder de polícia judiciária militar exercido pelas forças armadas são três: os direitos do cidadão, as prerrogativas individuais e as liberdades públicas previstas nos dispositivos constitucionais e nas leis. A inobservância dos limites aos quais está sujeito o poder de polícia, e o desvio da missão reservada aos agentes policiais militares conduz a prática do abuso de autoridade. 

Logo, o legislador ao tipificar os crimes de abuso de autoridade teve como objetivo resguardar os direitos constitucionais integrantes da cidadania contra desmandos da autoridade ou seus agentes. O Estado responderá perante o administrado pelos danos por estes suportados e que tiveram como origem os atos arbitrários praticados pelo agente policial que excedeu suas funções.

A bem da verdade, a grande responsável pelos abusos de autoridade cometidos nas casernas é a própria organização militar.

Os militares possuem uma formação técnica, totalmente divorciada do campo das leis. Dessa forma, qualquer envolvimento com o Poder Judiciário lhe é estranho e desagradável.

Por via de conseqüência, os oficiais temem o exercício da polícia judiciária militar, e o temor é fruto do total despreparo para conduzir um inquérito policial militar.

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[1] MIGUEL, Claudio Amin e Nelson Cordibelli. Elementos de Direito Processual Penal Militar, p 46

[2] MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus. São Paulo: Atlas, 2002, p.31

[3]BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas — limites e               possibilidades da Constituição brasileira, 4ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo, Ed. Renovar, 2000, pág. 312.

[4] FREITAS, Gilberto Passos de, e FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade, 7 ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

[5] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v.3. p.426.

[6] RT 683/347

[7] FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Abuso de Autoridade – comentários e jurisprudência, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 51

[8] O texto original refere-se ao Código Civil de 1916.

 

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