O processo penal militar possui características próprias, decorrentes da peculiaridade da atividade militar, cuja essência se fundamenta em princípios como hierarquia, disciplina, prontidão e dever de obediência. Isso justifica a existência de um sistema processual próprio, autônomo em relação ao processo penal comum, ainda que compartilhe com ele certos princípios fundamentais, como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, e o juiz natural.
Conforme o artigo 9º do Código Penal Militar (CPM), os crimes militares são divididos em três categorias:
Crimes propriamente militares (aqueles que só podem ser praticados por militares ou em ambiente militar);
Crimes impropriamente militares (condutas comuns, mas com circunstâncias específicas que as tornam militares, como o local ou o momento);
Crimes militares por extensão (praticados por civis contra as instituições militares, em situações específicas).
A Justiça Militar da União julga os crimes militares praticados por membros das Forças Armadas, enquanto a Justiça Militar Estadual julga os militares estaduais, como os policiais e bombeiros militares.
O procedimento no processo penal militar pode ser dividido nas seguintes fases principais:
É o procedimento administrativo destinado a apurar a autoria e a materialidade de um crime militar. O IPM é presidido por um oficial designado pela autoridade competente e pode resultar em:
Arquivamento do feito (com requisição do Ministério Público Militar);
Instauração de ação penal militar (com oferecimento de denúncia).
Durante o IPM, colhem-se provas iniciais, tomam-se depoimentos e realizam-se diligências. O indiciado tem direito à presença de defensor, e o contraditório é mitigado, pois não se trata ainda de processo judicial propriamente dito.
Recebida a denúncia, o acusado é citado para apresentar resposta à acusação, por meio de defensor constituído ou nomeado. O contraditório e a ampla defesa passam a ser plenamente exercidos.
Esta fase corresponde à produção de provas em juízo, com a realização de audiências para oitiva de testemunhas, interrogatório do acusado e outras diligências.
A sentença pode resultar em:
Absolvição;
Condenação;
Extinção da punibilidade.
O CPPM prevê recursos semelhantes aos do processo penal comum, como:
Apelação;
Embargos infringentes;
Recurso em sentido estrito;
Habeas corpus;
Revisão criminal.
As infrações disciplinares não configuram crimes, mas sim faltas administrativas que atentam contra os regulamentos das corporações militares. São julgadas no âmbito administrativo-disciplinar, e não pela Justiça Militar.
Cada força possui seu regulamento disciplinar:
Exército: Regulamento Disciplinar do Exército (RDE);
Marinha e Aeronáutica: Regulamentos próprios;
Polícias e Bombeiros Militares: Leis estaduais e regulamentos internos.
As penalidades disciplinares variam de acordo com a gravidade da infração e podem incluir:
Advertência;
Repreensão;
Detenção disciplinar (com limitações desde a ADI 1491/DF no STF);
Prisão disciplinar (também com restrições);
Exclusão ou licenciamento.
Cabe destacar que o controle judicial sobre atos disciplinares é limitado, respeitando-se a autonomia das instituições militares. Entretanto, atos que violem direitos fundamentais ou princípios constitucionais (como o devido processo legal) podem ser objeto de controle judicial por meio de mandado de segurança, habeas corpus, ou ação ordinária.
Uma mesma conduta pode configurar, simultaneamente, um crime militar e uma infração disciplinar, permitindo a instauração de procedimentos paralelos – um judicial (penal) e outro administrativo (disciplinar). No entanto, a condenação penal pode influenciar a esfera administrativa, podendo ensejar punições como a exclusão das fileiras da corporação.
Apesar das especificidades, o processo penal militar deve observar princípios constitucionais garantidores, como:
Legalidade;
Ampla defesa e contraditório;
Publicidade (com restrições em razão da segurança nacional);
Proporcionalidade e razoabilidade;
Presunção de inocência.
O Direito Processual Penal Militar é uma estrutura paralela ao processo penal comum, adaptada à realidade castrense. Seus procedimentos visam garantir a manutenção da ordem e disciplina nas Forças Armadas e forças auxiliares, sem negligenciar os direitos e garantias fundamentais dos acusados. A constante evolução jurisprudencial e legislativa tem buscado aperfeiçoar esse equilíbrio entre a rigidez da hierarquia militar e a proteção dos direitos individuais.