As principais inconstitucionalidades apontadas historicamente nos regulamentos disciplinares militares são:
* Princípio da Reserva Legal (Art. 5º, LXI, da CF/88): Este é o ponto mais controverso. A Constituição Federal estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. A privação de liberdade no âmbito disciplinar militar (detenção e prisão disciplinar) é, tradicionalmente, prevista em decretos ou regulamentos, e não em uma lei formal aprovada pelo Congresso Nacional. Os críticos argumentam que isso viola o princípio da reserva legal, que exige que a restrição de direitos fundamentais, como a liberdade, seja estabelecida por lei em sentido estrito.
* Princípio da Taxatividade ou Legalidade Estrita: Ligado à reserva legal, esse princípio demanda que as condutas consideradas transgressões disciplinares sejam descritas de forma clara, precisa e exaustiva nas normas. Muitos regulamentos disciplinares militares são criticados por conterem tipos disciplinares genéricos ou abertos, o que pode levar a uma grande subjetividade e discricionariedade na interpretação e aplicação das punições, ferindo a segurança jurídica do militar.
* Ampla Defesa e Contraditório: Embora a Constituição assegure a ampla defesa e o contraditório em todos os processos administrativos e judiciais, por vezes, a celeridade e a hierarquia intrínsecas ao ambiente militar podem dificultar a efetividade dessas garantias. Questiona-se se os ritos disciplinares militares, em sua essência, permitem que o militar acusado tenha todas as oportunidades para se defender, produzir provas e questionar as decisões, de forma equivalente ao que se esperaria em um processo administrativo civil.
* Controle Jurisdicional: Em tese, o Poder Judiciário pode analisar a legalidade e a constitucionalidade dos atos administrativos disciplinares militares. Contudo, o “mérito” administrativo da decisão disciplinar (ou seja, se a autoridade militar aplicou a punição mais adequada ou justa) é, em regra, insuscetível de revisão judicial, o que gera debates sobre os limites do controle judicial e a garantia de direitos do militar.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido a instância final para dirimir esses conflitos. Recentemente, a Corte firmou um importante entendimento sobre a constitucionalidade das punições disciplinares militares no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603.116 (Tema 703 de repercussão geral).
A tese de repercussão geral fixada pelo STF foi que: “O art. 47 da Lei nº 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo válidos, por conseguinte, os incisos IV e V do art. 24 do Decreto nº 4.346/02, os quais não ofendem o princípio da reserva legal.”
Essa decisão significa que o STF validou a possibilidade de punições disciplinares que restringem a liberdade (como a detenção e a prisão disciplinar de até 30 dias) serem definidas por decreto (Regulamento Disciplinar do Exército, por exemplo), e não necessariamente por lei em sentido formal. O entendimento predominante foi que a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) já autoriza a regulamentação dessas matérias por meio de decretos, e que a exigência de “lei” no Art. 5º, LXI, da Constituição Federal se aplicaria mais especificamente à tipificação de crimes militares, e não às transgressões disciplinares de natureza administrativa.
Implicações Atuais
Em suma, embora a validade formal dos regulamentos disciplinares militares (e das punições de detenção e prisão por eles previstas) tenha sido afirmada pelo STF em relação à reserva legal, a aplicação dessas normas continua sujeita ao escrutínio judicial no que concerne à observância dos direitos e garantias constitucionais dos militares em cada processo disciplinar.
Ficou clara a posição atual sobre o tema?